CAPÍTULO TRÊS

 

Como Lidar Com O Destino

 

O tema do determinismo astrológico existe há tanto tempo quanto a própria astrologia. Andam de mãos dadas, pois embora uma pessoa possa ser limitada pelas reações cármicas, outra ainda tem algum livre-arbítrio no qual se apoiar. E a vontade de Deus também deve ser equacionada! Então, naturalmente, uma pergunta fica no ar: até que grau estamos limitados e até que ponto o livre-arbítrio ou a intervenção divina entra no jogo? Infelizmente, as respostas para estas perguntas nem sempre são entendidas adequadamente e a ciência da astrologia acaba sendo mal compreendida.

 

Em geral, existem varias razoes pelas quais a autoridade das indicações horoscópicas é enganosamente minimizada. Por exemplo, algumas pessoas acreditam que o livre-arbítrio reina supremo no seu relacionamento com as indicações cármicas e horoscópicas.

 

Mas devemos ter em mente que a alma não possui um livre-arbítrio absoluto. Na verdade, A. C. Bhaktivedanta Swami (o acharya fundador da Sociedade Internacional para a Consciência em Krishna), nos seus escritos, normalmente faz referencia ao "livre-arbítrio da diminuta entidade vivente".

 

Os discípulos de Swami Bhaktivedanta fazem uma analogia adequada ao descrever como o ser vivo barganha seu livre-arbítrio, tornando-se carmicamente presa, no comentário ao canto 12 do "Shrimad Bhagavatam". É parecido com o embarque num avião, eles escrevem. Quando uma pessoa embarca num avião, fica presa pelo movimento e pela ação do aparelho. Não se pode, de repente, decidir mudar o destino e sair pela porta. A pessoa fica presa, limitada, a sua decisão anterior e deve permanecer em suspenso por um tempo.

 

Além disso, eles explicam que esta decisão abre um leque de novas opções. Por exemplo, pode-se escolher viajar de classe econômica e depois querer passar para a primeira classe. Ou pode-se decidir ver um filme, ou não vê-lo. O ponto é que o exercício do livre-arbítrio nunca é negado, mas ainda assim os ambientes cármicos e as reações específicas sempre se manifestarão. Existe, sim, o poder de escolha, mas não tão grande como imaginamos.

 

Outros acreditam que, ao serem iniciados por um mestre espiritual verdadeiro, seu carma será aceito por ele e que, depois, a Super-Alma tomará a responsabilidade de guiar sua vida de dentro. E ainda outros acham que, através de praticas espirituais (sadhana), o carma gradualmente vai embora, de forma que não mais ficarão limitados por ele. Em todos esses casos, o horóscopo teria cada vez menos validade.

 

O exemplo de um ventilador pode ser bem apropriado. Quando o plug é puxado da tomada, o ventilador continua a girar por causa do impulso anterior, do momento. Isto é verdadeiro, muito embora nenhum novo impulso seja dado. Da mesma forma, uma pessoa que pratica sadhana (vida espiritual) não incorre num novo carma, mas continua recebendo reações cármicas do passado. Assim, é verdade que o carma novo pode ser evitado, embora se deva ter responsabilidade pelo antigo.

 

Na verdade, isso aconteceu no caso do brâmane Avanti (distrito de Malwa, na Índia), mencionado no canto 11 do "Bhagavat Purana". Este brâmane era materialista, mas renunciou ao mundo para praticar sadhana às margens de um rio sagrado. Por todos os esforços que ele empreendeu, recebeu a recompense de ser surrado e torturado pelos huligans. Ele não ficou triste com isso, mas culpava suas atividades ímpias do passado e a causa raiz destes acontecimentos: sua mente. O principal é que, enquanto ele estava ligado a pratica espiritual, todos os seus carmas não caíram imediatamente.

 

Isso parece estar em contraste total com as instruções dos Vishnudutas (mensageiros de Vishnu) aos seguidores do Yamaraj. Enquanto arrancavam a alma de Ajamil das suas garras, os Vishnudutas explicaram que até mesmo uma simples menção feita ao nome do Senhor Narayana pode aliviar uma alma do carma excessivo que ela esteja carregando sem poder. Eles também mencionaram que o fato de Ajamil pronunciar o Nome Sagrado era especialmente eficiente, porque ele o fazia sem ofensas e numa condição piedosa.

 

Existem muitas outras declarações como esta na literatura Védica. Um bom exemplo pode ser encontrado no "Bhakti-Rasamrita Sindhu" de Rupa Goswami, onde no capitulo 9, Sri Rupa cita o sábio Narada no "Dvarka Mahatmya", como dizendo: "Do corpo daquele que bate palmas e dança a frente da divindade, em êxtase, todos os pássaros da atividade pecadora voam em debandada".

 

Isso significa que apenas comparecendo às cerimônias religiosas, como a cerimônia aroti, que todos os carmas da pessoa serão negados e as indicações horoscópicas se tornariam nulas? Certamente que não, mas a resposta para este enigma deve ser completamente entendida antes de uma pessoa ter fé no seu horóscopo e poder usá-lo. Primeiro de tudo, deve ser compreendido que a astrologia não e simplesmente um estudo das reações cármicas. Em vez disso, a astrologia indica a vontade do Supremo conforme ela é expressa através do seu poder sobre o tempo. No "Bhagavad-Gita", Krishna explica: "Eu sou o Tempo, o grande destruidor dos mundos". (Kalo Ismi Loka Kshaya Krit Pravriddho). A astrologia é, principalmente, um estudo do tempo.

 

Acontece que a vontade de Vishnu/Krishna é indicada por fenômenos astrológicos que não deveriam, então, ser considerados como um tipo de poder separado da vontade de Deus. A verdade da questão não tem nada a ver com o conceito cristão de Deus e Diabo. De acordo com os cristãos, o Diabo existe como uma espécie de poder separado, externo, ao poder do Senhor. A astrologia não deveria ser vista desta forma. Na verdade, os fenômenos de ambos, a ilusão da alma e a passagem do tempo, ficam subordinados a Deus, e a ilusão e o tempo são trabalhados pelos Seus inúmeros agentes.

 

E embora seja verdade que os carmas, daquele que canta Hare Nama e se dedica à pratica espiritual, sejam cancelados, a confusão, na verdade, tem a ver apenas com quais carmas são cancelados.

 

Recentemente, foi feita uma pesquisa pelo comitê de pesquisas filosóficas do movimento Hare Krishna, que iluminou um pouco esta questão. Teve o nome de "Destino, Livre-Arbítrio e a Lei do Carma".

 

Esta pesquisa começa explicando as divisões do carma, porque nem todos os carmas são da mesma natureza. O carma Kriyaman é definido como o carma recente, novo, e o carma Sanchita, como o antigo, guardado. O carma Sanchita, depois, é dividido em carma Anurabdha, ou as reações que ainda não se manifestaram e que jazem subjacentes, como sementes, e carma Prarabdha, que se refere ao carma que já começou a se manifestar na vida da pessoa.

 

Então, o "Vedantra Sutra" é citado: "Ao se obter Vidya, ocorre a não-aderência dos trabalhos feitos durante a vida atual, e a destruição do carma armazenado na vida anterior. Isto acontece conforme esta no Upanishads". Isto parece apoiar a idéia de que a pessoa fique livre quando se canta o nome de Sri Narayana e bate palmas na frente de Sri Murti.

 

Mas o verso 15 do Vedantra Sutra parece colocar tudo na sua perspectiva. Lá é dito: "Mas somente os carmas imaturos das vidas passadas, quer dizer, aqueles cujos efeitos ainda não começaram a ser sentidos, podem ser destruídos pelo conhecimento". Este verso parece sugerir que os carmas prarabdha permanecem, mesmo que se atinja Vidya.

 

E é bem conhecido entre os astrólogos o fato de que o horóscopo indica os carmas prarabdha das pessoas. Na verdade, o horóscopo é a roda do tempo que foi posta em movimento no momento do nascimento. Os carmas prarabdha que o horóscopo representa já se manifestaram, é apenas uma questão de tempo para que aconteçam. E, de acordo com o verso acima do "Vedantra Sutra", eles ocorrerão mesmo que o individuo se dedique a pratica religiosa (sadhana) ou alcance Vidya (conhecimento).

 

Esta verdade data da declaração de Sri Krishna a Arjuna no "Gita", onde Ele instrui Arjuna dizendo: "Estes soldados e reis já estão sendo levados a morte pelas minhas disposições, Oh Savyasachin, e você não é mais que um instrumento".

 

Para uma compreensão mais profunda, vamos nos referir a narração do nascimento do Marajá Parikshit no primeiro canto, do "Shrimad Bhagavatam". Parikshit Marajá era uma grande alma, pois era protegido de Vishnu no ventre de Uttara (da arma de Brahma de Ashvattama). Os brâmanes da corte do rei Yudhistira se referiam a ele como um maha-bhagavat, um devoto puro do Senhor. Parikshit Marajá foi um devoto puro desde o seu nascimento.

Mesmo assim, o "Bhagavad" declara: "Assim, quando todos os bons signos do zodíaco gradualmente se elevam, o herdeiro aparente de Pandu, que seria exatamente como ele em poder, nasceu". (1.12.12). Neste comentário deste verso, Sua Divina Graça A. C. Bhaktivedanta Swami afirma que "o Marajá Parikshit, ou até mesmo a Personalidade do Deus Supremo, aparece em certas constelações de estrelas boas, e assim a influencia é exercida sobre o corpo que nasce num tal momento auspicioso... Um momento ideal foi escolhido, quando todas as boas estrelas se juntaram para fixar sua influencia no rei".

 

A questão sobre se o rei carregou ou não com ele os carmas prarabdha quando nasceu se torna imaterial quando o seguinte ponto é compreendido: de que mesmo sendo o Marajá Parikshit um mahabhagavat, um devoto puro do Senhor, seu horóscopo ainda correspondia aos eventos que se desdobraram durante a sua vida. Isto praticamente sugere que os fenômenos astrológicos permanecendo validos para todos os seres, apesar do exercício de livre arbítrio de uns, ou o nível de alcance espiritual de outros.

 

Como um exemplo da validade do horóscopo do rei, os jataka vipras (astrológos) predisseram que o Marajá Parikshit "cumpriria suas promessas como Rama, o filho de Dasaratha... exatamente como o rei Ikshvaku ao manter aqueles que nasciam... com um grande dom para a caridade e protegido dos rendidos, como o famoso rei Shibi... dentre os grandes arqueiros a criança será excelente como Arjuna..." e mais ainda. (Ibid)

 

Além destas predições gerais, os brâmanes predisseram incidentes específicos acerca da vida futura de Parikshit Marajá. Por exemplo: "Depois de ouvir falarem da sua morte, que será provocada pela mordida de uma cobra voadora enviada pelo filho de um brâmane, ele se libertara de todos os apegos materiais e se renderá a Personalidade do Deus Supremo, abrigando-se nEle. Depois de questionar acerca do autoconhecimento adequado ao filho de Vyasadev, que será um grande filósofo, renunciará a todos os laços materiais e alcançará uma vida sem medo". (Ibid)

 

Tudo isso aconteceu na vida do Marajá Parikshit e podemos tirar duas conclusões: primeira, os astrólogos da corte do Marajá Yudhistira eram peritos do sistema védico. Eles tinham que ser, a fim de fazer predições tão precisas. Os astrólogos modernos deviam aprender com os antigos, pois suas interpretações incompletas, de quem não têm um bom conhecimento do sistema nem experiência suficiente, não podem ser aprovadas. E, na realidade, percebe-se que os chamados astrólogos, que lêem três livros e logo penduram suas tabuletas, por assim dizer, são reconhecidos como tal.

 

Segunda, podemos concluir que se as indicações astrológicas correspondem fortemente às vidas das almas puras e até mesmo a Personalidade do próprio Deus Supremo (Sri Krishna), o que dizer das expansões de Vishnu! O que, então, poderíamos dizer das almas que ainda estão no estado condicional, mesmo que tenham começado a trilhar o caminho da auto-realização?

 

De qualquer forma, agora temos uma base para entender a astrologia védica. Vimos as pessoas a quem compreender, como compreender e também que a astrologia será sempre indicativa, em todos os casos, começando com Sri Krishna e seus devotos puros e descendo até o mais comum dos homens.

 

 

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